Medo de corrupção faz chineses doarem para instituições privadas após terremoto
O terremoto que atingiu o sudoeste da China no dia 20 , que até o dia 25 havia deixado 196 mortos e 21 desaparecidos, atraiu inúmeras doações de todos os cantos do país.
Mas diferentemente das doações feitas após um tremor devastador que atingiu a mesma região há cinco anos, aqueles ansiosos para ajudar as vítimas estão recorrendo a instituições de caridade privadas para fazer doações, e não a grupos governamentais que atualmente adquiriram a reputação de serem corruptos.
A Cruz Vermelha da China, uma organização estatal que é a maior instituição de caridade do país, ainda não se recuperou de um escândalo que mexeu seriamente com o conceito de filantropia da China em 2011, especialmente aquela administrada pelo governo.
"Comparado ao sistema opaco que a maioria das organizações de caridade apoiadas pelo Estado adota, as organizações não governamentais e aquelas que surgiram recentemente chamadas de instituições de caridades micro possuem um sistema mais transparente", disse Deng Guosheng, diretor do Centro de Pesquisa de ONGs na Universidade de Tsinghua, em Pequim.
Em seu microblog, a Cruz Vermelha disse que, desde as 17 horas do dia 21, havia recebido mais de US$ 10 milhões em doações. O grupo privado Sina Microcharities relatou ter arrecadado mais de US$ 13 milhões, de acordo com o Global Times, um jornal estatal.
No dia 22, os esforços de auxílio continuaram na ampla área ao redor de Ya'an, no condado de Lushan da Província de Sichuan, epicentro de um terremoto que aconteceu na manhã de sábado com uma magnitude que, segundo o Serviço Geológico dos EUA, atingiu 6,6 graus na Escala Richter.
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Segundo o Ministério dos Assuntos Civis, o terremoto deixou quase 12 mil feridos e afetou 1,72 milhão de pessoas. As equipes de resgate de campo só chegaram ao condado de Baoxing, a área mais atingida pelo terremoto, às 13 horas do dia 22.
O Ministério dos Assuntos Civis “também pediu aos grupos de caridade para regularem as doações destinadas a Sichuan, pedindo transparência e controle social", segundo o China Daily, jornal publicado em inglês.
Ele afirmou que o ministério emitiu um comunicado que dizia que grupos organizando campanhas de doação para as vítimas "deveriam divulgar informações a respeito de suas atividades e receitas de doações, de acordo com as normas vigentes".
A China possui alguns filantropos conhecidos, principalmente o magnata da reciclagem, Chen Guangbiao, e algumas instituições de caridade privadas proeminentes, incluindo a One Foundation, fundada por Jet Li, o astro de cinema de kung fu. Mas o conceito de fazer doações para causas nobres é menos difundido do que no Ocidente.
Em 2010, Warren Buffett e Bill Gates foram a Pequim para encorajar a filantropia e convidaram um seleto grupo de magnatas a se reunir com eles. Alguns se recusaram a participar. Mas, em situações de desastre, sempre há pessoas que não poupam esforços para ajudar. Esse foi o caso de Li Chengpeng, um escritor em Sichuan e crítico das políticas do Partido Comunista.
Em seu microblog, Li, que participou como trabalhador voluntário de auxílio após o terremoto de 2008, escreveu sobre sua experiência de organizar doações para a área atingida em torno de Ya'an no fim de semana. Ele disse que sua equipe havia entregado 498 barracas e 1.250 cobertores para a aldeia de Huzhou no dia posterior ao abalo sísmico.
O auge da filantropia chinesa recentemente foi desencadeado pelo terremoto de 2008, que devastou grandes áreas de Sichuan e das províncias vizinhas, deixando cerca de 90 mil mortos ou desaparecidos e muitos feridos. Aldeias inteiras foram dizimadas.
Muitos chineses viajaram para Sichuan para ajudar. Instituições de caridade foram inundadas com doações. Em fevereiro de 2011, a Sociedade da Cruz Vermelha da China, membro da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha, recebeu cerca de US$ 650 milhões em doações de dentro da China e do exterior por causa desse terremoto, de acordo com um relatório no site do China News Service.
Mas a Cruz Vermelha tornou-se alvo de desconfiança de muitos chineses depois de um escândalo há dois anos envolvendo Guo Meimei, mulher de 20 anos que tinha publicado fotos de si mesma posando ao lado de carros esportivos italianos, usando bolsas da marca Hermes e voando na classe executiva. Ela disse em seu microblog que era a "gerente geral comercial" da Cruz Vermelha.
Após as fotos, surgiu a especulação se ela havia conseguido o título por ser a amante de um funcionário de alto escalão da Cruz Vermelha. Ela se tornou o assunto mais falado na internet chinesa durante esses meses, e seu nome sempre surge nas discussões sobre filantropia na China.
Como resultado, os chineses dizem em microblogs e outros fóruns que as pessoas que querem doar para os atuais esforços de auxílio em Sichuan devem, sem dúvida, evitar a Cruz Vermelha.
"É triste presenciar uma organização de caridade estatal passando por dificuldades; a Cruz Vermelha da China, evidentemente, possui muito pouca credibilidade", escreveu Xu Shaolin, um comentarista em questões sociais e políticas, em seu microblog.
O Global Times disse em seu relatório que a desconfiança em relação à Cruz Vermelha havia levado muitos a fazer doações por meio de serviços de microblog iniciados por empresas privadas na internet. A Sina Microcharities, que começou sua operação em fevereiro, tinha iniciado 29 projetos de auxílio até o dia 21 para Ya'an com a ajuda de pessoas e instituições. De acordo com o Global Times, por causa desses esforços, a Sina arrecadou US$ 13 milhões de mais de 60 mil usuários da internet.
Liao Dong, o fundador de uma empresa de jogos online, doou cerca de US$ 147 mil para um dos projetos. Ele disse ao Global Times que escolheu a caridade pois era a "mais transparente".
A Cruz Vermelha da China se recusou a fazer comentários para esta reportagem. Zhao Baige, vice-presidente-executivo da entidade, disse a um repórter do Southern Metropolis Daily que muitos dos críticos online possuíam informações errôneas e preconceituosas em relação ao grupo.
*Por Edward Wong
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