Serra Pelada: Sonhos, violência e miséria

  • Estados do Brasil:

Corrupção, mortes e favorecimento político estão em jogo na região; o principal personagem atende por Lobão
03/12/2013
Márcio Zonta,
correspondente no Pará
Era final da década de 1970. Marabá ao sul do Pará – sob intervenção da segurança nacional – ainda não for desmembrada nas várias cidades que viria a nascer pelos interesses políticos e econômicos, como Parauapebas, Curionópolis e Canaã dos Carajás.
Numa fazenda, cravada na selva amazônica, no território marabaense, o vaqueiro Ademir cavalga despretensioso pela fazenda de seu patrão, o senhor Genésio. Em meio à mata e uma coleção de montanhas, avista uma serra sem vegetação, pelada. Curioso pela diferença provocada pela natureza entre os cerros, decidiu subir ao topo. Guiou o cavalo em direção ao morro e quando chegou ao alto viu que a superfície reluzia num tom amarelado. Desceu do cavalo, olhou bem para aquele material e gritou: “é ouro”!
Mais de 100 mil homens escutariam o grito do vaqueiro. A partir daquele momento se constituiria a Serra Pelada, a maior cava humana de garimpo manual do planeta.
Trinta e três anos após o inicio de sua exploração, Serra Pelada, hoje no distrito de Curionópolis resguarda a saga de uma massa de homens pela corrida do ouro no Brasil e coleciona histórias de violência e prostituição na sua intimidade. Além de despontar no ambiente macro da política do país como uma moeda em disputa.
O exemplo maior está no acordo do Ministro de Minas e Energia (MME), Edison Lobão (PMDB-MA), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a mineradora canadense Colossus e a Cooperativa de Garimpeiros da Serra Pelada (Coomigasp). Uma trama urdida inicialmente pela ditadura militar, comandada na região pelo major Sebastião Curió, e que vai além do modelo de mineração adotado pelo Brasil, cujo entreguismo do minério a grupos internacionais é uma das principais estratégias para manter a balança comercial do país favorável.
A reportagem do Brasil de Fato viajou até a Serra Pelada, conversou com os garimpeiros que ainda resistem na área, escutou das mais variadas histórias e lendas sobre a região e pôde constatar a miserabilidade que vivem os homens que outrora manejaram tanto ouro. “Trabalhamos a vida toda e ficamos sem nada”, resume o garimpeiro de 67 anos Pedro Leite.
Os donos
Seu Genésio teria sido o primeiro “dono” de Serra Pelada, já que a mina fazia parte das dependências de sua propriedade rural.
No início dos anos de 1980, cerca de seis mil garimpeiros já frequentavam o local. Todos eles tinham que pagar 10% do faturamento da extração a Genésio. O número de homens que acessavam área não parava de crescer, bem como a riqueza do dono da fazenda.
Entre os garimpeiros que conheceram Genésio, falecido há poucos anos, dizem que quando seu filho, conhecido como Genezinho, pedia benção a ele, tinha como resposta: “Deus te abençoe, dez por cento filho”.
“Essa era a frase mais propagada por ele. Ele ficou meio maluco com essa história de 10% cobrado dos garimpeiros”, lembra Etevaldo, garimpeiro de Serra Pelada e hoje dirigente do Movimento dos Trabalhadores da Mineração (MTM).
Mais tarde, parte da fazenda foi desapropriada. Mas já em 1980 Serra Pelada conheceria outro “dono”, o major Sebastião Curió.
Como Marabá era área de segurança nacional permanente por conta da Guerrilha do Araguaia exterminada pelas tropas de Curió, o major foi destacado pelo Exército Brasileiro para ser um interventor federal do garimpo.
“Curió controlava o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), e a preocupação do exército diante da massa que se formou no local, era que os comunistas aproveitassem o garimpo e infiltrassem o povo de esquerda para daqui criar situações contra a ditadura. Então o Curió veio com o objetivo específico de garantir que isso não ocorreria e que Serra Pelada não seria um foco comunista”, conta Etevaldo.
O garimpo passou a ter regras militares. Cachaça, mulheres e menores de idade eram proibidos. Diariamente, às 8h da manhã, a massa de homens parava o garimpo para hastear a bandeira brasileira, cantar o hino nacional e escutar o sermão do major.
Frente a Serra Pelada, o major foi eleito deputado federal, foi prefeito duas vezes da cidade que leva seu nome e ainda presidiu cooperativas de garimpeiros. “Serra Pelada foi um refúgio das atrocidades que ele havia cometido na ditadura no Brasil. Ainda hoje tem pessoas aqui que o defendem com unhas e dentes”, lamenta Etevaldo. 

Ouro surrupiado
O tempo passou, o período ditatorial findou e novos atores surgiram em Serra Pelada. Em 1992, o presidente em exercício no Brasil, Fernando Collor de Mello, cessou qualquer forma de garimpo manual na Amazônia brasileira.
Era a senha para o neoliberalismo da década de 1990 emplacar de vez a entrada de diversas mineradoras multinacionais na região, além da privatização das já existentes.
Serra Pelada, que manualmente só foi possível até o final de 1989, também entrou em colapso. A briga dos garimpeiros, que segue até hoje, se voltou contra a Caixa Economia Federal, compradora da riqueza mineral da cava humana.
No processo de purificação do ouro feita pela subsidiária Geldoce, da estatal Companhia Vale do Rio Doce à época, o banco descontava o valor das impurezas. No entanto, o material não era desprezado e passava por outro processo onde dos dejetos eram retirados ouro branco e prata.
Conforme aponta o Movimentos dos Trabalhadores da Mineração (MTM), restaria na Caixa então, pela conta dos garimpeiros, 991 quilos de ouro que foram transformados em dinheiro, totalizando uma quantia de R$ 600 milhões.

Utopia?
Seria justamente esse dinheiro que os garimpeiros reivindicam na Justiça para tocar o projeto de extração de ouro que está nas mãos da Colossus. Algo que não seria tão fácil, pois a trama que levou a Colossus a explorar a região envolve 10 milhões de quilos de ouro e teria passado por um acordo entre o DNPM, Lobão e os canadenses.
O histórico de assassinato dos garimpeiros opositores ao acordo entre a empresa e os trabalhadores da mineração evidencia tal situação.
Josimar Barbosa, afastado da Coomigasp por ser contra a divisão dos lucros de 51% para empresa e 49% para os garimpeiros, sofreu primeiro uma intervenção jurídica que o tirou do cargo de presidente da cooperativa. Restabelecendo sua posição junto à Justiça, foi tirado do caminho com treze tiros em maio de 2008.
Outro membro da diretoria da Coomigasp, José Lima, também contrário à parceria mediada por Lobão, foi encontrado morto em fevereiro de 2009 dentro de sua casa, na vila de Serra Pelada, com dois tiros na cabeça.
Ainda no mesmo ano, o aliado de Lobão, Gessé Simão, ex-vereador de Imperatriz (MA), é eleito presidente da cooperativa e a empresa passa de 51% para 75% de participação dos lucros na futura exploração de ouro na mina.
Gessé, segundo publicado na revista Época, teria recebido da Colossus, em sua conta pessoal, a volumosa cifra de R$ 344 mil. Diante dos acontecimentos ilícitos, o Ministério Público (MP) do Pará determinou a investigação da Coomigasp, parceira da Colossus desde 2007 na joint venture de exploração da mina.
Nelson Medrado, procurador de Justiça no Pará, elenca os motivos que levaram à intervenção judicial: “as últimas eleições para a diretoria da entidade não foram legítimas, além de existir a suspeita de venda de carteira de associados e dívidas trabalhistas forjadas artificialmente”, revela. Além disso, o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) detectou cerca de R$ 200 milhões destinado da Colossus para contas pessoais de pessoas ligadas à cooperativa.

O dono atual
A ganância do ministro Lobão pelo ouro de Serra Pelada teria motivado, além das mortes, esquema de corrupção e pagamento de propinas, toda uma orquestração governamental para dominar o recurso mineral.
Como senador e ministro, atuou pessoalmente em várias frentes no governo e fora dele para possibilitar o negócio. Em 2007, o então senador Lobão pediu ao governo federal que intercedesse junto à mineradora Vale, detentora da mina, para transferir à Coomigasp seus direitos de exploração de minerais na Serra Pelada.
Em fevereiro de 2007, a Vale assinou um termo de anuência repassando à cooperativa dos garimpeiros o direito de explorar a mina principal. Para tanto, Lobão foi montando uma equipe para agir junto a ele na conspiração. Vários funcionários que atuaram no ministério em sua gestão têm cargos na Colossus ou em associações fundadas para acompanhar a parceria entre a empresa e Coomigasp.
É o caso de Antonio Duarte, que foi assessor do ministro e responsável por criar a Associação Nacional dos Garimpeiros de Serra Pelada (Agasp- Brasil), para atuar auxiliando a Coomigasp na formulação do consórcio.
Outro personagem que aparece no cenário de retomada da Serra Pelada por Lobão é o ex-funcionário do Senado, o advogado Jairo Oliveira Leite, que ocupa um cargo na mineradora canadense de representante dos garimpeiros.
Ainda, geólogos brasileiros integrariam o comando da Colossus também colocados por Lobão, como Pérsio Mandetta, Darci Lindenmeyer e Augusto Kichida. A afirmação é do secretário de Geologia e Mineração, Claudio Scliar. “O Darci chegou a ser meu chefe no governo”.
Seria dessa forma que surgiu a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral, empresa fundada a partir de um contrato entre a Colossus Minerals Inc. com sede em Toronto, no Canadá, e a Coomigasp, que reúne 40 mil garimpeiros e detém os direitos sobre a mina de ouro.
“A desconhecida Colossus só aparece nesse momento, quando Lobão já tinha armado tudo junto ao DNPM, tinha deixado a Coomigasp sob o poder de seus cabos eleitorais, negociado a área de concessão de exploração com a Vale, deixando o terreno tranquilo para dividir o ouro com os canadenses”, denuncia Etevaldo do MTM.

fonte brasildefato.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

AS GRIFES DE ROUPAS ESTÃO USANDO TRABALHO ESCRAVO

Vereadores de Ribeirão das Neves que são contra a criação da CPI da merenda escolar

DER promete tomar providencia no transporte coletivo de Ribeirão das Neves