Estudantes são presos por filmar protesto de camponeses



Registro da mobilização faz parte de pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia sobre as condições de trabalho nas usinas de cana 
18/06/2012

Solange Engelmann,
de Ituiutaba (MG)

Os estudantes do curso de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), do campus Pontal, Fernando Alves, 23, e Rogério Gonçalves, 33, foram presos pela Polícia Militar na sexta-feira (15), por volta das 18h, no trevo de acesso a Ituiutaba, no Triangulo Mineiro (MG).
Trabalhadores rurais bloquearam a estrada - Foto: Emílio Ferreira
A prisão ocorreu após a dupla fazer filmagens e fotografar a mobilização de um grupo de cerca de 200 trabalhadores rurais que bloquearam a BR-365, que dá acesso à MG-154, no Pontal do Triângulo. Os camponeses, que trabalham no corte de cana-de-açúcar nas usinas do Grupo João Lyra, reivindicam o pagamento de salários atrasados, alguns há cerca de 90 dias.
Os estudantes, que se estavam no acostamento da BR no momento da prisão, relatam que o objetivo da PM foi confiscar o material com o registro da ação policial, que dispersou os manifestantes com balas de borrachas. “Na hora da abordagem os policiais estavam querendo pegar os instrumentos que a gente estava utilizando, tipo câmera, gravador”, explica Alves.
A abordagem da PM aos estudantes ocorreu de forma rápida e truculenta. “Foi muito grosseira, nos pegaram de costas, sem qualquer tipo de reação, colocando os braços para trás e algemando”, denuncia Gonçalves.
Na ação, a filmadora, o gravador e a câmera fotográfica, além dos pertencem pessoais dos estudantes, foram apreendidos pelos policias militares. Os equipamentos só foram liberados após a presença de professores, advogado e representantes da UFU na delegacia.
Além dos dois estudantes, sete trabalhadores que participavam dos protestos foram presos e três ficaram feridos.
Segundo o soldado Lázaro, da assessoria de imprensa da PM, os trabalhadores presos foram acusados de desobediência à ordem de desobstrução da pista. Todos foram liberados após prestar depoimento e assinar um termo para comparecer a uma audiência no Juizado especial, em 01 de agosto deste ano.
A manifestação ocorreu a partir de iniciativa espontânea dos próprios trabalhadores para pressionar as empresas a pagar os salários atrasados, mas teve o apoio do sindicato dos trabalhadores rurais de Ituiutaba, Capinópolis e Canápolis, localizadas no Triângulo Mineiro.

Atraso de salários
João Francisco de Souza, ferido com bala de borracha
Foto: Solange Engelmann
Muitos trabalhadores rurais da região estão há três meses sem salário. Esse é o caso do cortador de cana João Francisco de Souza, 25 anos, que durante a manifestação foi ferido por um tiro de bala de borracha na barriga e preso em seguida. Segundo ele, sem salário sua família está vivendo em condições precárias. “Está tudo atrasado: aluguel atrasado, feira atrasada. Eu não sei mais o fazer”, reclama.
Segundo o advogado do sindicato dos trabalhadores de Ituiutaba, Daniel Severiano Oliveira, em audiência realizada na sexta-feira entre o Ministério Público, os representantes dos trabalhadores da cana e representantes da usinas Vale do Paranaíba, de Capinópolis, e Triálcool, de Canápolis, que pertencem ao Grupo João Lyra, ficou acertado que uma parte dos salários atrasados será paga na próxima sexta-feira (22).
Porém, conforme relato do técnico de planejamento da usina Triálcool, Luiz Carlos, em dois meses essa é a segunda vez que as empresas adiam o pagamento de salários dos trabalhadores, que deveriam ter sido pagos na última quinta-feira (14).

Estudantes integram grupo de pesquisa
A professora do curso de Geografia da UFU, campus do Pontal, Joelma Cristina dos Santos, afirma que os estudantes foram até o local com o objetivo de registrar a manifestação dos trabalhadores e colher depoimentos para um projeto de pesquisa da universidade do qual fazem parte.
O projeto, que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (Fapemig), pesquisa a expansão da cana–de-açúcar e as condições de trabalho dos camponeses no corte e na indústria canavieira na microrregião geográfica de Ituiutaba. Ao final da pesquisa será produzido um documentário sobre o assunto.
“O objetivo da pesquisa é observar a precarização das relações de trabalho desses trabalhadores, buscando mostrar como são explorados por essas agroindústrias que,  de modo geral, não têm os respeitado. Procurando constatar como são as condições de trabalho dessas pessoas”, explica a professora e coordenadora do projeto, Joelma.

Empresário é investigado pelo STF

Protesto contra o proprietário do Grupo João Lyra
Foto: Joelma Santos
O usineiro e proprietário do grupo João Lyra, João José Pereira de Lyra, é deputado federal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pelo estado de Alagoas.
Conforme notícia do portal G1 (Rede Globo), publicada em 01/02/2011, João Lyra (PTB-AL) responde a três ações penais pelos crimes de redução de trabalhadores a condições análogas ao trabalho escravo, calúnia, difamação, injúria e crimes de imprensa.
Ele é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por trabalho análogo à escravidão e aliciamento de trabalhadores em uma usina de cana-de-açúcar de sua propriedade no interior de Alagoas.
Porém, ao mesmo tempo, o deputado é um dos mais afortunados do Congresso. Em matéria publicada pelo portal de notícias R7(Rede Record), em 25/03/2011, em levantamento feito pelo site Congresso em Foco, o deputado liderou a lista do ranking dos dez parlamentares mais ricos do Congresso em 2010. Sua fortuna declarada foi de R$ 240,3 milhões.

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