As prostitutas de Belo Horizonte perguntam: e a gente, como fica?
Presidente da Associação de Prostitutas de Minas Gerais teme expulsão das profissionais durante a Copa do Mundo
19/09/2012
Andrea Dip e Mateus Coutinho,
Maria Aparecida Vieira, a Cida - Foto: Reprodução/A Pública |
Maria Aparecida Menezes Vieira, a Cida, de 46 anos, há mais de 20 anos faz ponto na rua Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte, perto do Batalhão do Corpo de Bombeiros onde o irmão militar trabalha. Em 2009 participou da fundação da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), que dá cursos, promove ações de saúde preventiva e de conscientização contra o preconceito, além de pressionar os órgãos públicos pela aprovação do projeto de lei 98/2003, do ex-deputado federal Fernando Gabeira, que legaliza a a prostituição como profissão. Hoje o projeto está arquivado.
As ruas Afonso Pena e Guaicuruz, próximas umas das outras, têm o maior movimento de profissionais do sexo da cidade. Cerca de 4500 mulheres fazem programas todas as noites nos pequenos hotéis da região – que também servem de casa para algumas delas – e na rua.
Com o início dos preparativos para a Copa na cidade, as mulheres temem pelo ponto, pela repressão e pela perda do ganha-pão. O centro começa a dar sinais do que os movimentos sociais chamam de “higienização”, grandes projetos imobiliários seguidos da remoção das comunidades pobres, ambulantes e profissionais do sexo. “Todos nós temos interessa na revitalização. Trabalhar em lugar melhor, mais seguro, é bom. O problema é que ninguém sabe de nada”.
O projeto de um novo hotel cinco estrelas, o Golden Tulip, do empresário Roberto Justus, já está aumentando o valor dos imóveis e ameaçando pequenos comércios, hotéis e, claro, as prostitutas, que, por não terem a profissão regulamentada, não contam com garantia nenhuma. Para quem nega que haverá especulação imobiliária, o site do futuro hotel explica: “Para os investidores das unidades do Golden Tulip Belo Horizonte, a perspectiva é de forte valorização imobiliária, excelente rentabilidade mensal e remuneração que iniciarão em breve, uma vez que o hotel entrará em operação no primeiro trimestre de 2013” .
“Temos medo do que pode acontecer. Estamos por nossa conta” diz Cida. “Já fomos à prefeitura perguntar o que será de fato este hotel e o que será feito de nós, mas ninguém responde”. Ela vê a Copa como algo ruim para os negócios, contrariando o discurso do aumento da prostituição durante os megaeventos: “Vão querer nos varrer, né? Nos esconder dos gringos. É assim que sempre fazem”. Ainda assim, pretende brigar para que as associadas da Aprosmig aproveitem as oportunidades. Está promovendo cursos de idiomas estrangeiros e de fotografia para mostrar a Copa sob a visão delas. “Que fique muito claro: exploração sexual de adolescente e criança é crime. Nós não só somos contra, como denunciamos” afirma. “Lutamos por respeito e condições dignas para as profissionais do sexo”.
Em entrevista ao Copa Pública, ela fala sobre a associação, sobre Copa do Mundo e sobre a luta pela legalização da profissão.
Copa Pública: Conte um pouco da sua história. Onde nasceu e como se tornou profissional do sexo?
Maria Aparecida Menezes Vieira: Nasci em um município pequeno e vim morar em Belo Horizonte muito nova, com minha mãe e meus irmãos, na casa dos meus tios. Estudei aqui, em escolas públicas e particulares. Meu pai é bancário. Estagiei no Banco Central, em uma drogaria, em um hospital e resolvi abandonar tudo e fazer curso de medicina chinesa. Vi que não era minha área, eu sempre gostei de coisa diferenciada. Aí resolvi ser profissional do sexo mesmo, trabalhando com fantasias. Eu tinha 24 anos. Sempre assumi o que eu faço para os meus amigos e minha família. É uma profissão como outra qualquer. Polêmica, mas eu me considero uma pessoa polêmica.
Você que escolheu a profissão, então.
Eu que decidi. Não quis trabalhar com burocracia. É uma coisa que eu gosto, trabalho com fetiche.
E sempre fez ponto na Rua Afonso Pena?
Sim, porque meu irmão é militar e trabalha no Corpo de Bombeiros, que fica ali na esquina. Então eu sempre fiquei por ali. Por segurança e também para acabar com o preconceito.
Essa postura de querer combater o preconceito é algo que aconteceu ao longo dos anos? Ou você sempre pensou assim?
Eu sempre fui assim. Sempre gostei de mostrar o que eu sou. Eu sou assim e quero ser respeitada. Eu não sou meu trabalho 24 horas. Eu estudo, trabalho, tenho família.
Como surgiu a Associação de Prostitutas de Minas Gerais?
A Aprosmig surgiu em 2009. O GAPA (Grupo de Apoio e Prevenção a AIDS) fazia um trabalho de prevenção com as prostitutas da Afonso Pena, eu estava lá e eles me abordaram. Eu já tinha vontade de montar uma instituição para defender o direito das mulheres, principalmente sobre a questão da violência e nós fomos articulando.
O que é o GAPA?
É um grupo de prevenção à AIDS com 25 anos de existência. É ligado à RBP (Rede Brasileira de Prostitutas). Além de abordar as mulheres na rua, fazem seminários, palestras etc.
E o que faz a Associação?
Nós temos um grupo de 4500 mulheres associadas. A gente trabalha a questão do HIV, da prevenção de DSTs, da violência, fazemos seminários sobre saúde, cidadania e sobre o próprio preconceito. A gente ganhou uma sede, paga pela Associação dos Amigos da Rua Guaicurus, uma instituição que é de donos de hotéis. Eles pagam o aluguel. Também tentamos estabelecer um diálogo junto aos órgãos públicos, mas ainda há muito preconceito. Nossa principal luta é pela legalização da profissão. O projeto de lei do Gabeira [PL 98/2003, hoje arquivado na mesa da Câmara] já sinalizou uma vitória. Mas a gente está tentando tirar as prostitutas da marginalidade. Os comerciantes da Afonso Pena e os hotéis, assim como o movimento LGBT e algumas ONGs, são nossos parceiros.
Como o anúncio da Copa do Mundo afetou o trabalho de vocês?
Temos medo de que com esse falso moralismo e com essa higienização do centro da cidade, eles fechem os hotéis, tirem as mulheres, queiram nos esconder. A gente briga para que as mulheres possam participar dessa revitalização. Que não mexam com essas trabalhadoras como tem acontecido nas outras cidades que vão receber a Copa. Desde que começaram as obras do hotel [Golden Tulip] tivemos uma reunião na prefeitura de Belo Horizonte, mas ainda nada aconteceu. Se tirarem essa mulheres, que estão lá há tanto tempo, para onde elas vão? É sempre assim, os mais pobres são os que sofrem. A gente luta pelo direito de estar, permanecer e sermos respeitadas.
Vocês tiveram uma audiência com o Ministério Público?
Nós fizemos uma proposta de audiência pública no Ministério Público Federal, junto a outros movimentos de excluídos da Copa. Mas estamos aguardando.
E sobre o Hotel Golden Tulip? Quando vocês tiveram conhecimento disso?
As coisas acontecem do dia para a lua. Nós sabemos que estão sendo feitas reuniões no município com vários comércios, lojistas, é um projeto que não sabemos muito bem quem está por trás. Tivemos uma conversa com o secretário da prefeitura para saber mais a respeito mas ele não nos informou.
O que você acha que vai acontecer com essa revitalização?
Estamos com medo. Não sabemos para onde vamos. A prefeitura dizer que vai dar um espaço para a gente trabalhar não vai acontecer, a gente sabe que isso é ilegal. Estamos só por nossa conta mesmo.
Esse parceiros que vocês têm, os comerciantes, os hotéis, eles têm interesse na revitalização?
Todos nós temos interesse na revitalização. Trabalhar em lugar melhor, mais seguro, é bom. O problema é que ninguém sabe de nada. Os comerciantes também têm medo de perder o ponto quando valorizar. E não podemos fazer nada porque não temos uma lei do nosso lado. Mas os parceiros têm ajudado a gente, inclusive pagando os eventos que a gente promove. Eles nos ajudam e se ajudam também, né?
Com a chegada da Copa, a preocupação com o aumento do tráfico de pessoas e da prostituição infantil aumenta. E muitas vezes isso é usado também contra as prostitutas. Como vocês lidam com isso?
É claro que temos sofrido mais pressão por causa da Copa, temos sido marginalizadas. Mas vamos começar com a questão da exploração: exploração sexual de criança e adolescente é crime. Nós denunciamos. Aí vem o conselho tutelar, pega as meninas, chama a mãe, mas no dia seguinte elas estão lá de novo. Porque precisam trabalhar, porque vivem na miséria e não têm para onde ir. A questão do tráfico de pessoas… Será que se legalizasse a profissão, isso não acabaria? Porque seria um campo de trabalho. Mesmo o estupro [das profissionais do sexo] diminuiria. As pessoas precisam entender que nenhuma mulher está lá obrigada. Se estiver, é violência contra a mulher. Aí é crime. Hoje nós temos mulheres formadas, muitas têm duas profissões, inclusive. Eu mesma sou massoterapeuta e acupunturista durante o dia. Mas não estamos falando de mulheres em situação de prostituição, aquelas que se prostituem para pagar drogas, porque o dinheiro é mais rápido, por exemplo. Esses casos são diferentes e a gente nem considera como profissionais do sexo.
Vocês têm acompanhado ou até mesmo participado de algumas iniciativas da Secretaria de Mulheres para evitar a questão da exploração e dos abusos sexuais na Copa? Vocês têm acompanhado alguma iniciativa deste tipo?
A gente tem participado quando somos chamadas. As políticas públicas não existem para nós porque a profissão não é legalizada. As discussões são muito básicas, eu acredito que ainda não tenha um amadurecimento dessas questões.
A despeito de todo esse medo que vocês estão vivendo, qual é a importância desse mundial para a Associação de Prostitutas? Vocês estão se preparando para receber uma demanda maior?
Nós temos um relatório da África do Sul que mostra que, eu não sei se devido à questão da AIDS por lá, os resultados não foram tão bons. Não teve clientela. Não sei se vai se repetir com o Brasil. Porque no exterior o Brasil é praia, mulher bonita, bunda e a zona né? Não podemos negar que estamos esperando oportunidades melhores.
E vocês estão dando cursos para as mulheres atenderem melhor o público durante o Mundial?
Nós estamos trazendo, junto ao EJA (Educação de Jovens e Adultos), cursos para quem não tem o fundamental completo. Elas vão terminar o fundamental. O segundo grau ainda está em discussão, porque aí é com o estado e não com o município. E idiomas. Estamos programando cursos junto ao Sindicato dos Professores e vendo a possibilidade de cursos de idiomas. Embora a Dilma já tenha lançado uma iniciativa parecida, com cursos gratuitos. Várias mulheres já estão cadastradas para fazer esses cursos. Também estamos com um projeto de um curso de fotografia, para as mulheres mostrarem o lado delas na Copa. São ideias que vêm delas mesmas e a gente vai atrás de parcerias para realizar.
Como a organização se mantém?
Não temos financiamento nenhum do governo. Essa sala é paga pela AARG (Associação dos Amigos da Rua Guaicurus). O telefone a gente pede para que as meninas doem mensalmente um valor de três reais. Não são todas que pagam, só as que podem. E elas levam recibo depois para contabilidade, a gente faz prestação de contas. E a gente faz um trabalho de saúde preventiva, exames, em parceria com o SUS. Temos um plano de saúde para que, caso as meninas não consigam de um lado [com o SUS], elas tenham convênio particular.
Você falou do preconceito dos órgãos públicos…
O preconceito é uma coisa cultural, nós sabemos. O estado é preconceituoso, existe o falso moralismo, a igreja também interfere nessa questão. Se você vai a uma delegacia, se as mulheres têm problemas no local de trabalho, se são violentadas, os policiais não fazem a ocorrência, não consideram estupro. Estamos até denunciando junto à corregedoria essa questão. Queremos criar uma briga feia. Porque não tem diálogo, não temos visibilidade.
E nas delegacias, como as mulheres são tratadas?
Se você chega na delegacia dizendo que foi agredida, sofreu tortura psicológica, o delegado diz: “aconteceu porque você quis”. Não existe estupro de prostitutas para a sociedade. Não tem política, não tem diálogo.
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