Depoimento de José Dirceu Na novela amor e revolução
Amor e Revolução tem que mostrar imprensa golpista
Antes de chegar ao ponto que o título deste texto anuncia, proponho ao leitor que examine artigo do único colunista da grande imprensa que me parece ter algum escrúpulo, Paulo Moreira Leite, da revista Época. O texto aborda a novela do SBT Amor e Revolução, trama que vem esquentando o clima político no Brasil.
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Amor e Revolução
Paulo Moreira Leite
19/04/2011
Fico feliz em constatar que a Censura sofreu uma derrota importante. Militares da reserva tentaram proibir a novela “Amor e Revolução”, do SBT, mas foram derrotados. Acho ótimo.
“Amor e Revolução” é uma novela com vários defeitos mas não se pode deixar de registar sua coragem. Não há notícia, na história da TV brasileira, de um retrato tão cru (e em certa medida cruel) da violência ocorrida nos porões do regime militar. O folhetim exibe cenas de tortura como nunca se viu, sem tratá-la como um evento incomum, mas como um dado banal da luta política no período.
É chocante, mas não deixa de ter seu mérito. O resgate de um fato verdadeiro é sempre um valor positivo — por mais que seja doloroso e inconveniente.
Outro aspecto é que a TV brasileira tem uma dívida histórica com a memória do país. As grandes redes de TV cresceram e se consolidaram durante o regime militar. Não é possível definir uma relação de causa e efeito entre o governo dos generais e a construção das redes nacionais — este processo era inevitável do ponto de vista do progresso das comunicações e iria ocorrer de qualquer maneira.
Mas ele assumiu formas peculiares em nosso país e isso se explica pelas relações promíscuas entre os canais de TV e o regime.
A Censura era uma força determinante no noticiário das emissoras, no foco da cobertura e na escolha dos assuntos. Vivia-se sob um regime de força e é assim que as coisas ocorrem numa ditadura. Mas não só. Havia também o interesse.
O regime militar favorecia e protegia seus amigos e punia quem resistisse. Um dos momentos máximos deste poder autoritário residia no momento de conceder as célebres concessões de rádio e TV. Ganhava-se uma concessão em troca de um currículo de boa vontade. Aliados do governo Goulart foram punidos e perseguidos até que tiveram de entregar os pontos.
O próprio SBT, que exibe Amor e Revolução, enquadra-se nessa categoria. Nos tempos da ditadura, chegou a criar um programa apenas para falar bem de João Figueiredo, um dos presidentes do regime militar. Considerando que desde 1988 o país tem uma nova Constituição, que proibe toda forma de censura, a iniciativa de fazer uma novela sobre um periodo tão marcante é até um pouco tardia.
Num momento em que o Planalto defende a aprovação da Comissão da Verdade, que pretende auxiliar na apuração dos crimes do regime militar, um folhetim desse tipo parece muito mais do que uma simples coincidência.
Mas não deixa de ser elogiavel.
A questão é a novela em si. Já ouvi gente dizendo que a intenção é boa. Eu acho muito fraca. O enredo não tem a envergadura de um processo histórico e trata os conflitos da época de forma simplória e reducionista. Os conflitos lembram filmes de bangue-bangue. Os diálogos são bisonhos e as disputas ideológicas, que envolvem pessoas que ajudaram a decidir o destino do país em determinado momento, são um campeonato de chavões — entre amadores.
Quem quiser entender por que o Brasil passou 20 anos sob um regime militar não irá aprender muita coisa — ou será obrigado a acreditar que tudo se resume a um conflito entre mocinhos e vilões.
Concordo que é fácil distinguir entre o certo e o errado quando se trata de comparar uma democracia com uma ditadura. Não é preciso entrar em discussões “complexas”. Mas tomar partido não basta, vamos combinar.
Os fatos da época estão lá mas não há contexto. Os personagens ficam deslocados, determinadas situações deixam de fazer sentido. Generais e estudantes de 64 fazem discursos como se estivessem em 1968. Um casal apaixonado cultiva flores no maior estilo hippie no mesmo sítio onde se preparam ações armadas.
Novelas são formas legítimas de entretenimento. Mas, quando pretendem falar de processos históricos, precisam ter uma noção mais clara de uma realidade em seu conjunto político, economico, cultural. Caso contrário, fica difícil acreditar naquilo que se vê no vídeo.
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Eis-me de regresso, leitor amigo, para comentar um texto, digamos, 70% honesto – o que não é marca desprezível, em se tratando da origem que tem.
Desde que estreou, no início do mês, que a novela do SBT Amor e Revolução vem sofrendo um processo que pretende desestimular o público de assisti-la. E quem empreende tal processo é a grande imprensa por razões que todos conhecem, ou seja, essa imprensa era aliada dos ditadores.
A argumentação contra a novela tem sido risível. Pode ser usada contra qualquer novela da Globo, aliás, mas só é usada contra a do SBT. Falam dos diálogos “ginasianos”, segundo um colunista da Folha de São Paulo, ou “bizonhos”, segundo o articulista da Época. A novela também conteria imprecisões históricas e seria maniqueísta, agora na visão do jornal e da revista.
Alguém, por acaso, já assistiu a um simples capítulo da novela “das oito” da Globo, por exemplo? Se verossimilhança da trama for o requisito, a novela Amor e Revolução encerra muito mais. Aquele mundinho das tramas globais tem sempre mais de 80% de brancos de aparência européia em um país em que mais da metade da população é descendente de negros. Os ricos todos, salvo o vilão de plantão, amam pobres e não são racistas, como quer Ali Kamel.
Se Paulo Moreira Leite, indiretamente empregado da Globo, quer ser realmente honesto – e ele parece que tentou ser o mais honesto dentro de suas circunstâncias de simples homem empregado em um império de comunicação –, tem que reconhecer que se formos tão exigentes com as novelas do seu patrão quanto estão sendo com a do SBT, nenhuma se salva.
O que mata essas novelas são os modelos transformados, de improviso, em atores. Essa garotada bonitinha, branquinha, loirinha, de olhinhos clarinhos e sobrenome europeu pode ser muito boa para tirar fotos, mas para dramaturgia, é um desastre. São inexpressivos, artificiais. Tudo o que sai de suas bocas, de suas expressões faciais e da linguagem corporal, soa falso.
Nesses quesitos, a novela do SBT tem tantos ou mais bons atores, que convencem, quanto as novelas da Globo.
Jaime Periard, o delegado Aranha, é assustador. Cada vez que aparece no vídeo, com sua perversidade infindável, faz o telespectador ficar tenso. O mesmo acontece com os perturbadores Filinto Guerra (Nico Puig), Fritz (Ernando Tiago) e general Lobo Guerra (Reinaldo Gonzaga). Os vilões são sempre os melhores.
Mas há, também, a convincente interpretação do eterno Claudio Cavalcanti, que interpreta o líder camponês Geraldo, uma espécie de João Pedro Stédile dos anos 1960. Em (bem) menor escala, pode-se, com alguma boa vontade, encontrar outras interpretações passáveis, ainda que sem brilho.
E todos esses colunistas da grande imprensa implicaram com um suposto “maniqueísmo” da trama da emissora de Senor Abravanel. Essa mania desses colunistas de ficarem repetindo todos as mesmas opiniões polêmicas é que responde pelos 30% do artigo de Paulo Moreira Leite que são a mais pura empulhação.
Maniqueísmo? Ora, vá se catar, Paulo! Que maniqueísmo? Você consegue fazer um filme sobre o regime de Hitler apontando defeitos nos que o combateram? A ferocidade, a demência, a vilania dele foi tão grande que qualquer menção a eventuais defeitos dos que o combateram se tornaria absolutamente irrelevante.
Imprecisões históricas? Que imprecisões? Os detratores da incômoda novela falam que não havia tortura nos primeiros anos do golpe. É piada. Quem quiser pode ler os relatos de leitores que viveram a ditadura colocados em todos os posts que escrevi sobre essa novela. Havia tortura de “comunistas” antes e depois do golpe, não só depois do AI-5.
A relevância e a coragem dessa novela, porém, foram muito bem admitidas pelo nosso estimado Paulo Moreira Leite – seu nível de honestidade intelectual, nas suas circunstâncias, chega a ser comovente.
fonte.blog da cidadania
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